As classes dirigentes

 

            O Robertinho, que andou nos barcos, sai-se por vezes com tiros de canhão verbais contra os políticos, ao mesmo tempo que lança descargas profundas de muco nasal para as mangas da jaqueta e para um lenço esburacado, que traz sempre consigo e trata por «Governo».

            Aproveitando-se da situação, o Aurélio flecte ligeiramente os joelhos à frente, coloca a mão à ilharga e, com um gesto súbito, ameaça que o puxa pela pila. O Robertinho, atrapalhado, estala: «Porra, pára, parvo!» 

            Rimo-nos os três. E eu explico ao Robertinho que, nessa matéria, nunca estivemos tão bem.            Imediatamente o meu amigo diz: «Isto está é cada vez pior!» Mas quando falamos do comportamento das classes dirigentes, meu amigo, a verdade objectiva é que melhorámos muitíssimo. D. Teresa, por exemplo, «na corte da irmã, em Astorga, lançou a perturbação, fazendo crer a Afonso de Aragão que a mulher [irmã desta D. Teresa] tentara envenena-lo.» Põem-se todos a combater durante anos; nisto há um indivíduo, por casualidade filho de D. Teresa, que aproveita a situação para flectir os joelhos à frente, olhar em volta, abraçar umas terras que a mãe tinha e declarar-se Rei.

              – Já que não tens pila…  – disse ele.

 Enfim, era mais ou menos esta a novela das classes dirigentes no início de Portugal, meu amigo. Só para fazeres uma ideia…

            Enquanto expliquei, o Robertinho, que andou nos barcos, às vezes ria, outras aplaudia. Parecia satisfeito. Na dúvida, arrotava. E coçou o rabo. Mas o Aurélio informou que tinha mais que fazer. Então o Robertinho adiantou que achava estupendo os políticos andarem nesse forrobodó todo. Além de ser engraçado, apenas havia prejuízo entre eles! Coçou outra vez o rabo. O Aurélio cuspiu. Sim, para os pobres tanto fazia! Não adiantava nem atrasava! Quisesse Deus que fosse assim neste nosso tempo…

            Mas não é: quase nunca há porrada, quase nunca há envenenamentos, quase nunca há adultérios amplamente divulgados, quase nunca há incestos, quase nunca há exumação de rainhas mortas, e muitíssimas mais coisas que quase nunca há, entre as classes dirigentes actuais! Em contrapartida, escândalos sem graça, dos quais resultam elevados prejuízos para os pobres – há sempre!  

            Como se não fosse já bastante, antigamente conquistavam outros países, mouros e tudo. Enforcavam bruxas, matavam dragões, enfim, o Robertinho que andou nos barcos não se calava com as vantagens dos outros tempos.

Percebi logo pelo olhar do Aurélio que também ele tinha ficado cheio de inveja do pessoal da Idade Média (além de provavelmente agora lhe apetecer andar nos barcos). 


Lopes Camelo

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